Arquivo diário: 1 de março de 2011

O trânsito apenas reflete nosso traço cultural

Há tempos não me animo muito em escrever sobre questões do cotidiano, talvez um pouco por não me achar capaz de sugerir boas ideias para melhorar a vida que levamos, talvez um pouco por descrença de que as coisas possam de fato melhorar. Ainda assim, acho que se faz necessário trazer à tona alguns temas para discussão.

Virou assunto inclusive no exterior o caso do bancário que atropelou um grupo de ciclistas na cidade de Porto Alegre, na semana passada. Foi um ato absurdo. A justificativa beira o ridículo. Mais ridículo é ouvir manifestações de pessoas dizendo que o sujeito reagiu legitimamente pois estavam batendo no seu carro. Nada é argumento para tamanha reação covarde. Este é o meu ponto de vista e acredito que seja o de muitos de vocês.

Contudo, o ponto a que quero chegar é outro. Este fato é emblemático, do quão dependentes somos do automóvel, do quanto ele nos transforma em trogloditas irracionais e de como ele se torna uma arma nas mãos de um desequilibrado. Aqui no Brasil reina uma cultura tipicamente terceiro-mundista de que o automóvel é sinal de status, sendo que ele nada mais é do que um meio de transporte. Em países civilizados, as pessoas fazem uso de bicicletas para irem ao trabalho ou para passear e sinal de status é ser culto, bem informado, estudioso. Lá, geralmente o carro não é uma extensão do próprio corpo. Claro que aqui temos os problemas de segurança – o que acaba inibindo o uso de outros meios de locomoção. No entanto, mesmo em cidades pequenas o trânsito está insuportável, pois todos têm a necessidade de ostentar o seu veículo e este pseudo-status.

Este caso do atropelamento também traz outro aspecto: aconteceu aqui no Rio Grande do Sul, estado em que todos os motoristas se julgam superiores, verdadeiros ases do volante – não surpreendentemente, esta arrogância contrasta com os dados trágicos da violência de nosso trânsito. Há estradas perigosas? Sim. Existem motoristas impericiosos? Muitos. Há impunidade? Ela reina. No entanto, o maior problema e consequente causador destas barbáries é a falta de educação. Não no sentido de ter ou não instrução, mas no sentido da gentileza mesmo. Somos absurdamente individualistas e auto-suficientes, vivemos anestesiados numa arrogância provinciana, nos julgamos melhores que os semelhantes em tempo integral e nos vestimos com uma personalidade neanderthalesca, onde aquele que momentaneamente tem mais força se prevalece sobre os demais.

Não vejo uma mudança possível nesta nossa infame característica. Sou da opinião de que o trânsito reflete plenamente aquilo que somos – mal-educados, prepotentes e totalmente burros. A imprudência e a intolerância ao dirigir já são características do nosso DNA cultural. É um traço preponderante de nosso comportamento.

Por estas coisas é que não me animo mais muito em escrever sobre questões do cotidiano. É cansativo e em vão.